Voto útil: uma reflexão sobre o eu e o coletivo

Eleição chegando e venho aqui fazer uma reflexão sobre o voto útil. Não como uma simples opinião, mas a partir do que concluo com as minhas pesquisas sobre o inconsciente coletivo e a gênese da violência. Não a faço, no entanto, com a pretensão de convencer ninguém, pois eu respeito muito as liberdades individuais. Mas isso não significa que eu vá deixar de expressar minhas posições. Claro que nem toda posição precisa se tornar pública. Não sou obrigada. Faço esta reflexão porque o momento é crucial para o país, como um convite para que reflita junto comigo. Posso não ser obrigada, mas sou parte de um coletivo. Somos! E não podemos fugir à essa responsabilidade como crianças feridas que se escondem por medo de não receberem afeto.

Ao meu ver, o momento é crucial especialmente no que diz respeito à diversidade que se expressa na vida humana, que vem sendo ameaçada tanto quanto a diversidade do meio ambiente. Essa diversidade, mesmo que haja quem não a aceite, é uma manifestação natural. Observe a Natureza e verá! É a diversidade que mantém a vida em seu estado de equilíbrio. Quanto mais rígidos e unilaterais nós somos, mais desequilibramos a balança e mais a violência se propaga. Toda história de violência no mundo é a história de uma cultura ou psique rígida que não aceita o que é diferente dela e se considera portadora da verdade universal. Tal diversidade, porém, tanto a humana quanto a da natureza em si, está ameaçada no Brasil por práticas discursivas que se apoiam na pauta nacionalista e no que consideram valores cristãos. Mas esse é um tipo de cristianismo mais diabólico do que em consonância com a mensagem de Cristo. Diabo vem da palavra latina diabolus que, por sua vez, vem do grego diábolos, sendo aquilo que gera caos e desunião. Diá é um prefixo que, neste caso, significa “o que separa”, assim como sym (de sýmbolos) é o que une. Diabólico é o oposto do simbólico. Não é o que temos visto? Quanto à pauta nacionalista que se diz a favor do país, a questão é: que país? Ser a favor do país eu também sou. Mas se estamos tendo o mesmo entendimento de país é que é o ponto. Um país que desmata as suas florestas, que favorece o latifúndio e o grande capital, que violenta os povos e saberes originários, que deixa o pobre mais pobre e que nega a diversidade é um tipo de nação que não se sustenta mais. Tentar mantê-lo é forçar a barra para manter o passado, como se isso fosse possível. A vida mostra o tempo todo que não. A vida é um ciclo eterno de vida-morte-vida. Só não percebe quem está em negação. Esse discurso reacionário reapareceu no mundo não foi à toa. Emergiu como uma necessidade da própria psique coletiva. Quem sabe, para vermos que ele não tinha morrido como ingenuamente acreditamos. Mas para vermos também que ele não se sustenta mais. Isso fortalece a gente como coletivo para os enfrentamentos necessários. A reação a essa tentativa de inserir o novo na caixinha do velho ficará cada vez mais forte. Esse modelo de nação e de realidade pertence a outro tempo. As singularidades emergiram e irão emergir cada vez mais, contra a vontade dos que têm medo da diversidade e da mudança. Isso é uma necessidade psíquica coletiva. Não há como controlar. Quanto mais eu estudo como se comporta o inconsciente coletivo, mais percebo isso. Quem tentar forçar o contrário, vai sofrer e provocar dores que poderiam ser evitadas. Tanto como Nação quanto como pessoa. Máscaras estão caindo para ganharmos consciência, e quanto mais consciência ganhamos, mais as máscaras caem. Treinemos nossa força interior para aceitar o imponderável e reagir à vida com menos violência e mais compreensão, inteireza e coragem. Só isso já muda o mundo. É esta, aliás, a principal tarefa de todos nós: o autoconhecimento! Sem ele, corremos o risco de ascensão de todo tipo de totalitarismo, inclusive os nossos próprios. No fundo, temos medo não do outro, mas de nós mesmos. Não sejamos ingênuos.

Vamos agora ao voto útil. Antes, um pequeno preâmbulo curioso. Já achei uma bobagem esse tal de voto útil. Até mesmo o voto, durante um bom tempo da minha vida. Inconsciente de mim mesma e da complexidade da realidade, defendia o Anarquismo. Não mudei totalmente, ainda acredito que esse é o sistema social mais interessante. Minha utopia foi cantada por John Lennon: Imagine there’s no countries. Mas nesse caso também, vale o meu estudo sobre os movimentos do inconsciente coletivo. Através dele, mais e mais eu venho saindo do mundo da fantasia delirante que acredita na perfeição e no consenso universal. Estudar psicologia analítica (tanto teoricamente quanto em mim mesma, no meu processo de autoconhecimento) tem sido um constante “cair na real”. O nível de inconsciência é tão grande na sociedade que tão cedo não vejo como seria possível nos sustentarmos socialmente pela autogestão, que é o princípio mais fundamental do Anarquismo. Nesse momento, ainda precisamos do Estado. Que seja então o Estado Democrático de Direito.

Mas a verdade é que há muito mais mistérios na vida do que supõe as nossas crenças, mesmo quando a gente estuda bastante. “Só sei que nada sei” é o princípio que vem me guiando, pois quanto mais a gente estuda, mais descobre que não sabia de nada. Estudamos, ouvimos, reagimos, agimos, mas não sabemos de fato quais serão as consequências das nossas ações. Portanto, ao falar em voto útil, falo sobre um ponto de vista, que é sempre a vista de um ponto, como aprendi há alguns anos com Leonardo Boff. Mas tento fazê-lo com responsabilidade e com um mínimo de embasamento. Não quero simplesmente emitir uma opinião, algo que só serve para encher o mundo de mais palavras perigosas por um lado e vazias por outro.

Como muitas pessoas, eu não gostaria de votar em Lula desta vez, mas vou votar nele. Digo que não gostaria não porque eu seja antipetista. Tenho mais o que fazer do que gastar o meu tempo atacando um partido e transformando pessoas e instituições em bodes expiatórios. O buraco do Brasil é muito embaixo. No meu caso, isso acontece porque eu gostaria de votar em uma mulher negra com a gana e a coragem de uma Marielle Franco e a capacidade de articulação e governabilidade do Lula. Mas essa mulher ainda não existe como candidata à presidência. Logo, meu voto é em Lula nesta eleição e por uma razão: é o único com capacidade de derrotar Bolsonaro e toda a velha e perigosa política que esse representa e põe em prática. Você pode argumentar: mas Lula é a velha política também! Sim, sob vários aspectos. Não vou negar o óbvio. Porém, ele carrega um discurso que olha para o futuro e pensa as suas parcerias da mesma forma. Além disso, eu vivi a era Lula quando estava na faculdade e começando a trabalhar. Foi um período incrível. Sinto que vivi em um país mais diverso, mais alegre e colorido e que crescia economicamente. Foi também um país que me desafiou, ao me fazer olhar para as minhas sombras. Pode não parecer, mas isso é maravilhoso! Foi naquela época que, por exemplo, as discussões sobre o machismo e o racismo estruturais começaram a ganhar força, e eu tive que começar a encarar duras realidades internas e externas, como o meu privilégio branco e tudo o que vivi sendo mulher em uma sociedade machista. Esse tipo de sociedade que encara de frente os seus males e a sua história violenta é a sociedade que irá reduzir a violência, promovendo mais respeito e entendimento. Não se lida com as sombras jogando-as para debaixo do tapete. Isso é idealização da vida. Muito menos, fazendo piadas tóxicas com a vida alheia, como o ainda atual presidente faz, e estruturando políticas de medo, morte e controle. O estudo da psique humana e o autoestudo nos revela com muita clareza que o que negamos nos possui como um demônio, o que se manifesta de muitas formas: desde crises de raiva, inveja e ciúme aos ódios coletivos.

Voltando ao país solar que já tivemos, respeitado internacionalmente, e não motivo de chacota, penso que não sabemos se teremos esse país de volta e, mais do que isso, andando para a frente com suas pautas progressistas realmente em atuação, melhor ainda do que já foi. Mas precisamos acreditar que sim. A esperança, que eu já ataquei tanto também em minha antiga rebeldia sem causa, é o que mantém o ser humano vivo, atuante e com energia para levantar da cama todos os dias. O voto útil me parece hoje o voto de esperança na humanidade. Apenas isso. Mas isso já é muito. Para quem não é da turma bolsonarista, entendo que não votar em Lula hoje é abrir espaço para Bolsonaro crescer nas eleições. As eleições estão polarizadas sim, precisamos aceitar esse fato. Não é desta vez que as coisas vão ser diferentes, pois temos muito capim ainda para comer e digerir até que grandes e boas novidades na política se apresentem. Quem sabe não será na próxima eleição!? Agora, ou ganha Lula ou ganha Bolsonaro. Mas, claro, não sejamos tolos acreditando que só o voto resolve tudo. É depois das eleições que começa, de fato, a principal atuação política. Essa é a prova dos nove. Ninguém, especialmente os políticos, deve ser encarado como herói eterno e salvador da pátria. Isso é lavar as mãos. Eles são nossos funcionários e precisamos cobrar deles as promessas de trabalho. São todos humanos, falíveis, burros e inteligentes, bons e maus, coerentes e incoerentes. Como todos nós! Tolo é aquele que acredita em heróis sem ser um herói da própria vida, depositando neles toda a sua salvação. Já quem se vende como herói salvador, esse é um perverso. Sejamos inteligentes: nem tolos nem perversos. Como nos alertou Nilton Bonder em seu livro A Alma Imoral, é por medo de sermos tolos e perversos que deixamos de fazer o que precisa ser feito, e acabamos sendo um ou outro. Mas também não podemos simplesmente agir de forma inconsequente, nos deixando levar pelas emoções como ovelhas que seguem o outro incondicionalmente só porque ele desperta uma paixão. O amor deve ser incondicional, mas não a estupidez. O irracional em nós precisa estar em equilíbrio com a razão. Quando um deles se sobrepõe, não é bom. No Brasil, temos deixado as emoções falarem alto demais. Precisamos equilibrá-las com o discernimento e traçar, assim, o caminho do meio que irá fazer nascer a lótus no meio da lama.