Por que encerrei um canal no YouTube após uma semana do lançamento

Começo esse texto às gargalhadas, imaginando a expressão das pessoas que me conhecem mais intimamente dizendo: “Tinha que ser a Vanessa mesmo! É muito geminiana!” Nessa hora a gente culpa a astrologia para não se sentir muito destrambelhada. Pois eis que após planejar e lançar um canal meu no YouTube, voltado à arte e ao entretenimento com pensamento crítico, desisti dele uma semana depois. Em alguns casos, desistir é, definitivamente, uma opção! Mas por que eu quero desistir? Será que é isso mesmo? Pensei durante toda a semana, tomada pela exaustão e uma pressão terrível de ter que fazer roteiros, gravar e editar vídeos com temas variados, muitos deles passando longe do meu tema de pesquisa atual, sendo que meu tempo já está tão ocupado. Inclusive, ocupado pelo dolce far niente, a doce alegria de fazer nada, algo que demorei muito para conseguir inserir na minha vida e que merece a minha dedicação. Venho descobrindo que fazer nada é tão necessário quanto fazer a coisa certa.

Desde que lancei a Medicina das Palavras, há quase dois anos, também com um canal no YouTube, tenho descoberto muitas coisas a respeito da relação entre personalidade, propósito e vida online. Embora eu tivesse certeza de que a Medicina das Palavras não seria um canal – o canal é apenas mais um espaço de interação – eu tinha para mim que ela seria uma empresa digital. Com isso, em agosto do ano passado nós lançamos um curso online. De lá pra cá, foi insana a corrida para entender o que significa construir autoridade na Internet. Fiz vários cursos de marketing digital, desde tráfego pago a curso de copywriting, e nunca ficou tão claro para mim o que significa o conhecimento: absolutamente nada quando ele não tem uso. Entender de marketing não me habilitou a saber utilizar a linguagem do marketing, que nunca foi a minha linguagem. Esse é um lugar no qual eu preciso me esforçar para conseguir algum resultado. Não é natural para mim quanto é escrever um ensaio, uma poesia ou dar uma aula. Para pensar o marketing, eu preciso de parceiros. Mas esse é um assunto que não cabe nesse texto. Há algo mais importante por trás de tudo isso, uma pergunta que me acompanhava já há um tempo: eu quero construir autoridade na Internet? Eu quero realmente ter uma empresa digital? Qual é a prioridade disso na minha vida?

Essas perguntas vinham a mim especialmente porque eu sofria muito em ter que construir esse lugar e acompanhar o insano bonde dos algoritmos das redes sociais. Analista que sou, claro que dediquei um bom tempo a analisar isso, e percebi que boa parte do meu sofrimento tinha a ver, antes de tudo, com a minha personalidade. Não era porque eu não gostava do marketing ou achava que eu não devia estar na internet. Marketing é fundamental para que o nosso trabalho e mensagem cheguem até as pessoas certas. E hoje em dia, estar na Internet é necessário. É um espaço importante de troca, debate e expressão da nossa verdade. Não só, mas também. Porém, temos tomado este “estar na Internet” como uma verdade absoluta que vale para todos, como se fosse impossível hoje em dia fazer dinheiro, construir carreira e se expressar de outras formas, sem postar todos os dias e ficar expondo a vida nos stories. Isso é insano! Percebi que eu havia introjetado isso e estava seguindo a manada, movida por uma ânsia de me expressar. Que sim, eu tenho! Mas a questão é: como eu quero comunicar a minha verdade? Mais ainda: qual é a minha forma mais potente e verdadeira de me comunicar e me expressar? Eu precisava descobrir de uma vez por todas! E sabia que a resposta que eu encontraria serviria também a outras pessoas.

Algumas personalidade se adequam muito bem ao mundo dos algoritmos. A minha não. Sou mais introvertida do que extrovertida e preciso de tempo para elaborar o pensamento. Há semanas em que quero aparecer, falar, postar. Tem outras que só quero ficar no silêncio, longe das redes sociais, curtindo a natureza. Quando não respeito isso, crio sérios problemas para mim e para as pessoas ao meu redor. Às vezes, um texto acontece de um dia para o outro. Outras vezes, preciso de semanas para construir um. Elaboração e tempo são necessidades minhas. Logo, decidi que não iria me violentar para me dobrar ao tempo das redes sociais. Até mesmo o YouTube, um espaço para reflexões mais profundas, é um lugar complicado de se manter, especialmente quando a vida nos chama a outras prioridades. Como postar vídeos toda semana em um canal, com temas diversos, e ainda conseguir aprofundar os temas? Pois se não é assim, o YouTube simplesmente não entrega o seu conteúdo. Eu não consigo lidar com isso. Ao menos, não agora nem sozinha. Meu tempo interno, mais do que o externo, não colabora. Já o tempo externo, nesse momento, está ocupado com prioridades que só consegui perceber dessa forma depois de lançar o canal e me perguntar: mas o que estou fazendo!? Minha mensagem se torna mais potente para o outro quando ela vem da elaboração. Para isso, é preciso pesquisa, criação, escrita e, claro, tempo, pois nada disso se faz bem na correria. Ao compreender e aceitar isso, coloquei de volta o meu doutorado como prioridade, seguido dos meus livros e do trabalho que já venho construindo na Medicina das Palavras. No tempo em que é possível! Precisamos aceitar o nosso tempo e encontrar o equilíbrio entre ele e o tempo social.

Ainda fiz uma análise geracional do caso que não sei se faz muito sentido sociologicamente ou se fará sentido para você. A mim fez. Sobre as dores e as delícias da Geração Y, a Millennial, que diz respeito aos nascidos entre 1981 e 1996 (alguns analistas indicam o início da Y em 1980, quando eu nasci). Sou do início dessa Geração, ou do finalzinho da X, na passagem para a Y. Faço parte daquela turma que nasceu sob uma grande expectativa: foi esperado que mudaríamos o mundo! Mas o que aconteceu com a gente foi um baita de um anticlímax. A Geração Millennial é a que viu uma transformação radical da sociedade com o surgimento da Internet e o advento de grandes crises sociais e econômicas mundiais. Parece que isso nos levou a um questionamento profundo sobre quem nós somos e o que queremos da vida. Logo, não me parece coincidência o fato da discussão sobre autoconhecimento ter se expandido conosco. Fomos nós que abrimos esse caminho. Os estudiosos das gerações classificam os Millennials como possuidores, de uma lado, de uma vontade enorme de realizar e, de outro, de um grande sentimento de frustração. Somos a geração cuja angústia é essa dualidade entre o desejo e a incapacidade. Por isso também, somos a geração que disparou o êxodo urbano contemporâneo, iniciado na geração anterior. Nós vimos a decadência do capitalismo e a crise das grandes cidades, e nos tornamos a verdadeira geração do lema “eu quero uma casa no campo”, sedenta por uma vida com mais sentido, silêncio, tempo e relações mais profundas. Eu mesma sou uma dessas pessoas. Venho alimentando o desejo dessa mudança. Como, então, ocupar o tempo com mais uma atividade que demanda tanta presença nas redes sociais?

Já fui uma workaholic, tive duas crises de Burnout e uma bem séria de ansiedade generalizada. Ocupar o tempo era a minha especialidade. Só depois de adoecer é que percebi que era preciso mudar. Mas como esse foi um padrão que durou pelo menos 20 anos na minha vida, às vezes ele retorna. Minha mente e meu corpo ficaram viciados nele. É em momentos assim que percebo o poder revolucionário do autoconhecimento. Em outros tempos mais inconscientes, eu teria levado uma eternidade para perceber que eu não iria dar conta de mais um projeto. E mais do que isso: quais eram as segundas intenções desse projeto. Infelizmente, segundas intenções nos movem em algumas ações. Quantas coisas já não criamos e fizemos para fugir do que realmente precisa ser encarado ou feito? Contamos para nós uma história incrível sobre as motivações daquele projeto, convencemos até o outro, mas no fundo ele é só uma distração ou um alimento para as feridas do ego. Felizmente, percebo com cada vez mais rapidez as ciladas nas quais me coloco.

É impressionante como a gente se sabota inventando situações que nos tiram do caminho que temos que trilhar, e que ainda nos violentam. Mas isso não é necessariamente ruim. Se não fizéssemos isso, como saberíamos qual o caminho? Apenas quando erramos, podemos acertar. Ao perceber o erro, nos cabe corrigir o rumo. O importante é corrigir, não se deixando levar pelo medo, a culpa ou a vergonha de dizer “errei, não era por aqui, vou mudar”. Entendendo também que isso não é um fracasso, é só um resultado de uma inconsciência. A consciência não teria vindo se não tivesse havido o movimento. Assim, percebo como foi importante ter lançado o canal. Se eu não o tivesse lançado, talvez eu demorasse muito mais para perceber o que eu já vinha intuindo com dois anos de vida online com a Medicina das Palavras: que eu não quero viver de internet. É claro que não tenho como fugir da internet. Nem quero. Como escritora, encontro a maior parte do meu público na internet. Como palestrante, professora, consultora também. Mas há muito para viver “do lado de fora”. Há relações para alimentar, outras para construir, casa para cuidar, projetos para realizar que não estão no mundo online. Não foi à toa que mudei os rumos da Medicina das Palavras de um projeto totalmente digital para um projeto que possa ser mais independente das redes. Isso já me dizia algo importante sobre o meu desejo. Não é à toa que, já faz tempo, tenho mudado muita coisa na minha vida.

Pessoas mais extrovertidas que introvertidas são ótimas em lidar com as necessidades do “deus algoritmo”. Embora, mesmo assim, precisem ter muito cuidado com a saúde mental e com as armadilhas da vaidade. O ser humano se aprisiona com muita facilidade, especialmente a números e reconhecimento. Ainda assim, extrovertidos se saem melhor do que introvertidos nesse mundo online, já que esse é o aspecto da personalidade mais valorizado pela sociedade capitalista hiperconectada. Por isso também é preciso que os introvertidos afirmem seu modo de ser. Introvertidos de todo o mundo, uni-vos! Ainda no quesito conformação ao tempo dos algoritmos, a Geração Z, então, tira de letra. É a geração que já nasceu em um mundo hiperconectado. Cada um de nós precisa saber o seu lugar nesse trem da personalidade e das gerações. Mas, mais do que isso, no trem da sua verdade. Precisamos saber o que damos conta e o que não damos, quais são os nossos limites e também onde e como somos mais potentes. Não dá para ser tudo e dar conta de tudo! Essa é uma ilusão contemporânea perigosa. A coragem de encarar essa ilusão e fazer a autoanálise nos chama. A de aceitar quem se é, também. Precisamos disso não apenas por nós, mas pelo coletivo. Quando descobrimos onde e como somos melhores e mais felizes, descobrimos nossa melhor maneira de servir ao mundo. É simples! Mas é complexo… No entanto, não me afastarei das redes sociais. Ainda há trabalho nesse sentido a ser feito. E talvez haja para sempre. Mas não pretendo me violentar em nome da lógica insana do “no pain no gain” ou do “desistir não é opção”. Inaugurar mais um canal foi mesmo um equívoco. Um erro pelo qual agradeço imensamente! Pois sigo em acordo com Jung, quando ele diz em seu Livro Vermelho: “O que sabes de seu erro? Talvez seja sagrado.”