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A perigosa ilusão do líder religioso

“Onde existe a iluminação de Buda, também se faz presente a ilusão de Mara”. A frase é do professor e psicólogo Rangel Fabrete, de uma postagem em seu perfil no Instagram logo após as repercussões do vídeo no qual vemos o 14º Dalai Lama Tenzin Gyatso, líder espiritual e político do Tibete e do Budismo Tibetano, pedindo a um menino que chupe a sua língua. O vídeo assombra e a frase do prof. Rangel não poderia resumir melhor o jogo entre a luz e a escuridão que molda a existência.

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A Sombra do Brasil: uma análise do bolsonarismo a partir da Psicologia Analítica e a Psicologia das Massas

Está explícita para quem tiver olhos para ver e ouvidos para ouvir, ou seja, os olhos e os ouvidos da consciência, a violência linguística, simbólica e material do discurso e da prática política de Jair Bolsonaro e os seus. Diante disso, fica a pergunta aos que veem esse cenário com perplexidade: por que algumas pessoas defendem Bolsonaro e seu projeto de Nação? A resposta é tão simples quanto complexa.

Ao utilizar-se de uma psicologia fascista, Bolsonaro se tornou um avatar da Sombra coletiva do Brasil, liberando dos esgotos os bichos escrotos, aqueles que acreditávamos ter sumido no decorrer da história ou, pelo menos, existir em pouca quantidade. Mas eles estavam apenas adormecidos, esperando a melhor condição para despertarem. Uma psicologia fascista é pautada pela ocultação de informações, a criação de bodes expiatórios e de factóides, a produção de ódio e de medo e a desconsideração pela historicidade da sociedade e de suas instituições. Ela mobiliza, assim, afetos sombrios da psique humana. Mas para que ela ganhe força em uma sociedade, há que haver condições de possibilidade.

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Os Anéis de Poder: quando a arte não cumpre a sua função e o poder sobe à cabeça

Em sua teoria das obras literárias e de arte, o pensador Umberto Eco explorou o conceito da verossimilhança. Uma obra de ficção cumpre seu papel de obra de arte e de cultura, que é espelhar a psique humana e a nossa realidade, quando se baseia na verossimilhança. Não importa se fala do “mundo real”, de uma galáxia distante ou de um mundo de alta fantasia, como é o mundo criado por J. R. R. Tolkien entre os anos 1930 e 1950 com O Senhor dos Anéis, O Hobbit e todos os apêndices que contam a história da fictícia Terra Média. Não havendo a verossimilhança, a obra perde sua importância psíquica e cultural, porque não cria conexão. Uma obra precisa nos convencer de que nada nela é gratuito, ou seja, de que estamos diante de algo que faz sentido naquela realidade e que, ainda, gere correspondência com a nossa, por mais fantasiosa que ela seja. Tolkien foi um mestre no domínio do princípio da verossimilhança. Também por isso, sua obra se tornou um fenômeno. Logo, adaptar obras literárias que cumprem esse princípio de forma magistral, o que dá a elas justamente a sua profundidade, é sempre um desafio. E nem sempre esse desafio se torna bem sucedido. Por esse prisma é que considero a temporada inaugural da série Os Anéis de Poder um fracasso artístico.

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Por que encerrei um canal no YouTube após uma semana do lançamento: uma conversa sobre excesso e exaustão

Começo esse texto às gargalhadas, imaginando a expressão das pessoas que me conhecem mais intimamente dizendo: “Tinha que ser a Vanessa mesmo! É muito geminiana!” Nessa hora a gente culpa a astrologia para não se sentir muito destrambelhada. Pois eis que após planejar e lançar um canal meu no YouTube, voltado à arte e ao entretenimento com pensamento crítico, desisti dele uma semana depois. Em alguns casos, desistir é, definitivamente, uma opção! Mas por que eu quero desistir? Será que é isso mesmo? Pensei durante toda a semana, tomada pela exaustão e uma pressão terrível de ter que fazer roteiros, gravar e editar vídeos com temas variados, muitos deles passando longe do meu tema de pesquisa atual, sendo que meu tempo já está tão ocupado. Inclusive, ocupado pelo dolce far niente, a doce alegria de fazer nada, algo que demorei muito para conseguir inserir na minha vida e que merece a minha dedicação. Venho descobrindo que fazer nada é tão necessário quanto fazer a coisa certa.

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O mal não tem uma resposta fácil! A série Dahmer: um canibal americano traz mais perguntas do que respostas.

Escrevo hoje sobre uma série que entrou para a lista das 10 séries mais assistidas da história da Netflix – Dahmer: um canibal americano – que conta a história, ficcionalizada, do serial killer Jeffrey Dahmer. Não contente em produzir a série, a Netflix ainda lançou hoje, dia 7 de outubro, um documentário sobre o caso.

Para mim essa foi uma série bem difícil de assistir, pois ela fala de uma história real e intragável que nenhuma história de terror de ficção chega perto. Até hoje, o mais perto que eu cheguei de sentir um asco profundo com uma ficção de terror foi lendo o livro “A narrativa de Arthur Gordon Pym”, que é o único romance de Edgar Allan Poe e até tem uma questão semelhante a de Dahmer, num ponto bem específico do livro. Ainda assim, a história não se aproxima de Jeffrey Dahmer e por uma razão muito simples: a de Dahmer é real e nos leva a questionar os limites da nossa humanidade.

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The Boys e a violência da vida real

The Boys, série do Amazon Prime, me trouxe tantas reflexões que se tornou uma série muito especial para mim. Não a acompanhei no seu lançamento, acabei de assisti-la, então ela está bem fresca na minha mente e no meu coração. Achei uma das melhores séries que assisti e uma produção impecável da Amazon. Não apenas pela arte e a técnica, mas também pela crítica social, que bate pesado nas principais feridas da sociedade estadunidense, mas que são as feridas de todos nós que vivemos no chamado “mundo civilizado”: a misoginia e o machismo, o racismo, a imoralidade do capitalismo, a sujeira da alta política, os preconceitos e abusos de toda ordem.

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Será que um dia conseguiremos reduzir a violência?

Texto publicado no Medium em 15/03/2021

Essa tem sido a pergunta que não quer calar na minha mente já há algum tempo. Ela me levou ao meu atual objeto de pesquisa, por ser ele as origens da violência: o ódio. O título é provocador: eu insiro todos nós no dilema. Portanto, se você chegou a esse texto se perguntando “por que o mundo está tão violento”, “por que o grupo tal é tão agressivo”, eu te convido a ir além. Não é sobre o mundo que falamos, como se o mundo fosse uma abstração fora do nosso olhar e ação sobre ele. É sobre você, sobre mim, sobre todos nós. Trata-se de responsabilidade compartilhada.

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Depois da conversão da noite

Espreguicei no silêncio,
A alma repleta de sábado.
Respirava fundo,
Sentia o cheiro de luz.
A madrugada, úmida,
Tinha som de marolas
E de grilos preguiçosos.
Lá, extasiada, fui convertida
À igreja do corpo
E das memórias perdidas.
Acharam-se, elas, numa lua escondida
Num céu de nuvens-bálsamo
Encoberto pela escuridão.
Cresci um tanto de centímetros
Nos sonhos.
Hoje, eles alcançam
O longe das planícies.
Atravessam montanhas,
Correm junto aos rios,
E se metem a querer ser o oceano.
Tão largos, sagrados e santos!
Vez em quando fingem ser coqueiros
E deixam suas folhas serenas balançarem
Como se fossem os cabelos de Deus.

Alonguei no horizonte.
Estava escuro.
Eu via tudo…
A alma repleta!

Planeta Mar

Quando me apresentaram a ti
Eu era uma criança
E tu já eras uma entidade:
Aquela que deveria nomear o planeta,
Planeta Mar.
Desde então,
Eu que nasci nas montanhas,
Te ouço chamar meu nome.
E tuas infinitas cores,
Conchas, ondas, corais,
E a vida marítima toda que se agita
Sobre ti e dentro, em tua musculatura azul,
São poesia que me levam a acreditar.
Basta que eu venha contigo falar
E luzes acendem, no centro de mim,
Aquele estranho sentimento desertoso:
Amar! Palavra que te contém,
Temor e céu,
Oceano meu.

Bahia
janeiro/2020

Poema para renascer

Foi antes da madrugada da vida
Que ficou a minha luminosidade
E as borboletas se tornaram sombras
Por muito longo e tortuoso tempo
Voando ao redor dos segredos

Mas no agora o sol reluz
Como nasce atrás das montanhas
Na plenitude dos dias azuis
E se põe no mar aos olhos
Estupefatos dos adoradores do verão

Só no agora, neste instante presente,
No qual o passado nada mais é
Que o que ficou rabiscado num livro solene
Para ser estudado quando convier,
E o futuro, apenas a promessa da luz,
É que vive a pulsação mais quente

Como guelra de peixe, ovo de lagarto,
Asas de pássaro e cio de fêmea.
O meu!

Neste instante: o presente.
Em que me jogo vendada nos braços da vida
Com coragem, veemência e sorte
Como quem se lança de uma pedra no meio do mar
Imitando as aves em seus voos certos,
A seguir um corpo pleno da paixão pela vida,
Apenas porque segui-lo é encontrar a mim mesma.
Renascida!

Revisitei a madrugada
E com ela conversei longamente.
Ao abrir o baú das estradas dolorosas
Lá eu encontrei a verdade:
Eu era a menina de sempre,
A que sonhava e remava longos mares.
A pus no colo e a embalei
E, assim, as sombras voltaram
A ser borboletas, como nos ciclos do planeta,
E meu coração se encheu de paz novamente,
Uma janela aberta para o sempre.